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Vila Autódromo:

Um legado de luta e resistência

“Olimpíada de 2016”, um megaevento esportivo que poderia ter trazido um legado positivo, mas que na verdade, foi um grande pesadelo para mais de 500 famílias que moravam na Vila Autódromo, comunidade localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Remoções e desapropriações deixadas pela organização dos Jogos Olímpicos, representam um pouco a história da Vila Autódromo. Para a construção do Parque Olímpico, o Poder Público Municipal removeu mais de 500 famílias – onde só 20 conseguiram resistir. E esse processo de luta sempre foi acompanhado de muita resistência, e exemplos disso são duas mulheres: Maria da Penha Macena e Sandra Maria.

A história da Vila Autódromo começou nos anos 60, com a construção das primeiras moradias, que resultou em uma comunidade de quase 600 famílias. No entanto, a luta dos moradores contra ações do Poder Público começou ainda cedo, em 92, com a ECO 92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento), sediada na “Cidade Maravilhosa”. Naquela época, o governo usava o argumento de que a área da comunidade era uma zona de interesse ambiental. E com isso, a Prefeitura chegou a colocar tratores na entrada da vila, mas o povo resistiu.  A mesma pressão aconteceu em 2007, com o início da preparação de outro evento: o Pan-Americano.

Paraibana, de 54 anos, casada, com uma filha, e moradora da Vila Autódromo, Maria da Penha foi uma das poucas pessoas que resistiram ao processo de remoção que aconteceu na comunidade, para a criação do megaevento. No entanto, o processo de luta da Vila Autódromo veio de muito antes, ainda nos anos 90, quando lá, começou a construção de inúmeros condomínios destinados a população de alta renda. E no final dessa luta, os moradores conseguiram permanecer no local, após a obtenção de Concessão de Direito Real de Uso, do Governo do Estado.

Apesar de todas as dificuldades, e vivendo há décadas ali, a vida dos moradores sempre foi muito tranquila, e principalmente, feliz. E foi em 1994, quando se mudou para a Vila Autódromo, que Maria da Penha começou a ter uma nova experiência de moradia, dessa vez, aos olhos dela, mais positiva. Além dela ter orgulho de fazer parte das pessoas que conseguiram resistir. “Eu moro na Vila Autódromo, eu vivo na Vila Autódromo, eu curto a minha comunidade, eu curto a minha terra , porque no meu espaço, eu tenho o meu quintal onde eu planto, eu tenho o meu animal de estimação que eu posso criar, isso é vida com dignidade”, conta a moradora.

No dia 8 de março de 2016, Dia Internacional da Mulher, tinha tudo pra ser um dia de alegria para a paraibana, que foi escolhida pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), para ser homenageada como um forte símbolo feminino da Vila Autódromo, por conta de seus grandes esforços em busca do direito à moradia na comunidade. No entanto, foi um dia de pesadelo, porque, logo no início da manhã, Penha acordou com a Tropa de Choque cercando a sua casa, para começar a demolição. E devido a isso, ela acabou tendo que se abrigar na igreja da comunidade, que também é um símbolo importante nesse processo de resistência.

Maria da Penha saiu da Paraíba aos 7 anos e meio, com destino a Rocinha, comunidade localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro. Ela, que viveu na favela por cerca de 20 anos, não se sentia confortável morando lá. “Uma das coisas que me incomodava muito na Rocinha era que eu não tinha espaço, eu não morava, eu me escondida, infelizmente. E a culpa é de quem¿ Dos nossos governantes que não sabem respeitar, e nossa também, que não sabemos cobrar”, conta a moradora.

Outro grande nome de resistência da Vila Autódromo é a acupunturista Sandra Maria, de 47 anos, que mora na comunidade há mais de 25 anos, e que faz parte das 20 famílias que conseguiram permanecer no local. “Dentro desse processo de luta, nós tivemos uma resistência muito bonita, que fortaleceu ainda mais essa solidariedade que já havia na Vila Autódromo”, conta Sandra.

A Vila Autódromo também teve um plano popular de urbanização que foi construído, em parceria com duas universidades: A UFF (Universidade Federal Fluminense) e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro. O plano foi construído já no processo de luta contra a remoção dos moradores. Eles sentiram que era necessário ter esse projeto, que seria apresentado à Prefeitura, com o intuito de mostrar que era possível a urbanização da Vila Autódromo. E logo que o plano é feito, a comunidade participa de um concurso internacional, promovido pela Alemanha, de projetos populares de urbanização, e a Vila Autódromo ganha. No entanto, isso foi totalmente ignorado pela Prefeitura. “Ele [o prêmio] foi uma das nossas principais ferramentas de luta, porque a gente tinha nesse documento a legitimidade para dizer: Nós podemos ficar nesse território, é possível”, explica Sandra Maria.

Um grande símbolo nessa luta protagonizada pelos moradores da comunidade da Zona Oeste do Rio de Janeiro, é a igreja católica São José Operário, que foi construída pelos moradores quando todos ainda moram lá. “Essa capela, pra gente, talvez seja a peça mais importante desse acervo, porque ela mantém a sua construção original, ela não passou pela remoção, não foi removida”, conta a acupunturista.

Tudo que tem na Vila Autódromo, faz parte do acervo dos moradores, como as casas que a Prefeitura construiu, as ruas, os restos de escombros, ruínas de antigas casas que foram demolidas. Há um percurso com mais de 20 pontos sinalizados com placas, identificados, que faz parte do percurso do Museu das Remoções, que é um museu comunitário a céu aberto na Vila Autódromo.

Nessa luta de resistência protagonizada pelos moradores da Vila Autódromo, tiveram algumas conquistas que foram fundamentais: Dois títulos de concessão real, de uso da terra, que garante aos moradores viver nas terras por 200 anos, e títulos que foram concedidos pelo Governo do Estado na época dos antigos governadores do Rio, Leonel Brizola (1983-1984 e 1991-1994) e de Marcelo Alencar (1995-1999) . Além da lei complementar 74, que definiu a zona da comunidade como uma área de especial interesse social, destinada a moradia popular, que também foi fundamental para essa luta de resistência.

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